O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (4), um julgamento que pode mudar profundamente o funcionamento das redes sociais no Brasil. A discussão gira em torno da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que atualmente protege as plataformas digitais de serem responsabilizadas por conteúdos postados por usuários, exceto se houver ordem judicial.
A análise desse tema abre um debate sobre os limites da atuação do Judiciário, uma vez que muitos juristas defendem que legislar sobre internet e comunicação digital é atribuição exclusiva do Congresso Nacional. Apesar disso, o STF tem indicado disposição para avançar sobre o tema, sobretudo após declarações do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que afirmou: “Esperamos anos por uma lei do Congresso, mas como ela não veio, temos casos que precisam ser julgados”.
STF decide o futuro das redes sociais no Brasil
O centro do debate é se as plataformas poderão continuar exigindo decisão judicial antes de remover conteúdos considerados problemáticos, ou se passarão a ser responsabilizadas diretamente, inclusive sem ordem judicial.
O artigo 19 do Marco Civil da Internet tem sido uma das principais garantias de liberdade de expressão nas redes sociais no Brasil, pois impede que plataformas removam conteúdos apenas por pressão externa, exigindo uma avaliação do Judiciário. Entretanto, se o STF decidir derrubar esse dispositivo, as empresas de tecnologia podem ser obrigadas a adotar medidas de remoção preventiva, afetando diretamente o fluxo de informações na internet.
Especialistas alertam para riscos à Liberdade de Expressão
Juristas e especialistas em liberdade de expressão se manifestaram preocupados com os rumos do julgamento. O advogado André Marsiglia destacou que o Congresso, ao não aprovar o Projeto de Lei 2.630/2020 — conhecido como PL das Fake News —, tomou uma decisão legítima. Para ele, ao ignorar essa decisão legislativa, o STF estaria avançando além de suas atribuições constitucionais.
Nas palavras de Marsiglia, publicadas na rede X (antigo Twitter), “O Congresso decidiu não regular. Isso é uma decisão legítima, que deveria ser respeitada pelo STF.”
O possível endurecimento das regras preocupa não só juristas, mas também empresas de tecnologia. Fábio Coelho, presidente do Google no Brasil, declarou recentemente que, se a responsabilização direta for aprovada, as plataformas passarão a remover qualquer conteúdo considerado minimamente questionável, como forma de se proteger contra multas e processos.
Essa mudança afetaria diretamente a dinâmica das redes sociais no Brasil, especialmente em períodos sensíveis como as eleições de 2026. Existe o temor de que algoritmos passem a realizar censura automatizada, não só em casos extremos, como pornografia infantil ou terrorismo, mas também em temas subjetivos, como discursos políticos ou opiniões críticas.
Como votaram os Ministros do STF
Até o momento, o julgamento mostra uma tendência de enfraquecimento do artigo 19. O ministro André Mendonça deve votar pela manutenção do texto atual, defendendo que a remoção de conteúdos só ocorra mediante ordem judicial. No entanto, seu voto deve ser isolado.
Dias Toffoli foi o primeiro a votar pela flexibilização. Propôs que, em casos de desinformação eleitoral ou contra grupos vulneráveis, uma simples notificação já obrigue a retirada do conteúdo.
Em seguida, Luiz Fux defendeu que conteúdos graves, como apologia ao golpe, discurso de ódio ou pedofilia, sejam retirados imediatamente, sem intervenção judicial. Para crimes contra a honra, bastaria a notificação da parte ofendida.
Já Luís Roberto Barroso apresentou um meio-termo: considerou o artigo 19 parcialmente inconstitucional, propondo que ele continue valendo para crimes contra a honra, mas que haja obrigação de remoção imediata para conteúdos como terrorismo, incitação ao suicídio ou ameaças.
Caso a decisão do STF se confirme, o Brasil poderá se tornar uma das poucas democracias em que o Judiciário assume a regulação direta das redes sociais no Brasil, função que, em geral, cabe ao Legislativo ou, em alguns casos, ao Executivo. Mesmo em países com regimes autoritários, a regulação das plataformas costuma passar por instâncias políticas, e não judiciais.