Em meio a uma crise financeira e denúncias de atrasos em repasses a benefícios de funcionários, os Correios desembolsaram R$ 38,4 milhões em patrocínios durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre os principais beneficiados estão o festival Lollapalooza e a turnê internacional “Tempo Rei”, do cantor Gilberto Gil.
Investimentos milionários em meio à crise financeira
Apesar de ter registrado um déficit de R$ 3,2 bilhões em 2024, a estatal destinou valores expressivos a eventos culturais e musicais. O patrocínio ao Lollapalooza, um dos maiores festivais de música do país, totalizou R$ 6 milhões.
Já para a turnê de Gilberto Gil, que celebra a carreira do artista e foi anunciada como sua última apresentação em larga escala, foram direcionados R$ 4 milhões, garantindo à empresa o status de “patrocinadora master”.
Os Correios afirmam que os contratos fazem parte de uma estratégia de marketing para reposicionamento de marca. No caso do Lollapalooza, a ideia seria fortalecer a imagem da empresa entre o público jovem, associando-se a um evento que atrai milhões de pessoas anualmente. Já no caso de Gilberto Gil, a justificativa apresentada foi o alcance estimado de 800 mil espectadores em shows realizados no Brasil, Europa e Estados Unidos.
Servidores insatisfeitos e plano de saúde comprometido
Enquanto os investimentos em cultura aumentam, funcionários da empresa têm enfrentado dificuldades. A Postal Saúde, operadora do plano de saúde dos servidores, deixou de receber repasses desde novembro de 2024.
O rombo chega a R$ 400 milhões, o que tem provocado o descredenciamento de diversos hospitais e clínicas conveniadas. O impacto é sentido diretamente pelos trabalhadores, que denunciam a suspensão de atendimentos e a falta de assistência básica.
Além disso, relatos indicam que transportadores estão com pagamentos atrasados e que há risco de paralisação das atividades. Os protestos se intensificaram após o anúncio do patrocínio à turnê de Gilberto Gil, considerado um gasto elevado num momento em que a empresa admite graves problemas financeiros e atrasos no repasse de valores ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Reação negativa dos trabalhadores
O patrocínio milionário à turnê de Gilberto Gil, iniciada no fim de março, gerou forte indignação entre os servidores dos Correios. A insatisfação se deve ao contraste entre os investimentos publicitários e a realidade enfrentada pelos funcionários da estatal. Muitos denunciam condições precárias de trabalho, atrasos salariais e ausência de repasses obrigatórios.
A situação se agravou com o alto custo dos ingressos para os shows do artista, que chegam a R$ 1.530 — valor superior ao salário mínimo vigente de R$ 1.518. Para os servidores, a presença da empresa como patrocinadora ao lado de marcas de luxo, como a Rolex, amplia ainda mais a sensação de descaso com as necessidades internas da organização.
Histórico recente de patrocínios culturais
Desde 2023, quando passou a ser comandada pelo advogado Fabiano Silva dos Santos, ligado ao grupo Prerrogativas, os Correios vêm aumentando os investimentos em patrocínios. No mesmo ano, a estatal destinou R$ 3,3 milhões a iniciativas culturais, incluindo R$ 400 mil para apresentações no Festival de Parintins (AM), R$ 500 mil para a Orquestra Criança Cidadã (PE) e R$ 350 mil para o Festival CoMA, em Brasília (DF).
Esses aportes são apresentados como parte de uma política de valorização da cultura e reposicionamento de imagem da empresa pública. No entanto, a continuidade desses patrocínios tem gerado controvérsia, sobretudo diante do cenário de déficit financeiro e crise nos serviços prestados aos próprios trabalhadores da estatal.
Justificativas da empresa
Questionados pela imprensa, os Correios sustentam que os investimentos em eventos como o Lollapalooza e a turnê de Gilberto Gil têm potencial de retorno para a marca. De acordo com a empresa, associar-se a grandes nomes da música e a eventos de projeção nacional e internacional pode contribuir para aumentar a visibilidade institucional e rejuvenescer a imagem da organização junto a novos públicos.
Em relação à crise da Postal Saúde, os Correios afirmaram que estão em tratativas para regularizar os pagamentos e manter o atendimento ativo aos funcionários. Contudo, não foi apresentado um cronograma para a quitação das dívidas acumuladas, o que mantém a incerteza sobre a retomada completa dos serviços médicos.
Enquanto a empresa defende sua estratégia de marketing como necessária para o reposicionamento da marca, trabalhadores e sindicatos apontam um descompasso entre os investimentos externos e as necessidades internas mais urgentes. A situação expõe um dilema entre a promoção institucional e a responsabilidade social com os próprios servidores.