A crescente tensão entre Estados Unidos e China, as duas maiores potências econômicas do planeta, já começa a impactar diretamente o setor do agronegócio global. Um dos reflexos mais notáveis dessa disputa é o aumento expressivo na compra de soja brasileira pelos chineses, que buscam reduzir sua dependência das exportações norte-americanas.
China amplia compra de soja brasileira para driblar dependência dos EUA
Nos últimos dias, autoridades e analistas do setor agrícola têm observado um movimento incomum no comércio internacional: a intensificação da compra de soja brasileira por parte da China. De acordo com informações publicadas pela agência Bloomberg, foram adquiridas cerca de 2,4 milhões de toneladas da oleaginosa brasileira em apenas uma semana — um volume consideravelmente acima da média habitual.
Essa quantidade representa aproximadamente um terço do volume mensal que costuma ser processado pelo país asiático, principal consumidor mundial da commodity. A soja desempenha papel fundamental na cadeia produtiva de proteína animal da China, sendo amplamente utilizada na alimentação de aves e suínos.
Brasil ganha protagonismo no fornecimento global de soja
Embora o Brasil já lidera o ranking de exportadores de soja para o mercado chinês, atrás dele estão os Estados Unidos, que respondem por aproximadamente metade da receita gerada com as vendas do grão para a China. No entanto, com a escalada da guerra comercial entre os dois países, Pequim tem buscado estratégias para diversificar seus fornecedores — e o Brasil desponta como principal alternativa.
O volume expressivo registrado na última semana foi considerado “excepcional” por fontes ligadas ao mercado internacional. A tendência reforça a percepção de que a soja brasileira pode, ao menos parcialmente, ocupar o espaço tradicionalmente dominado pelos americanos nas exportações para o gigante asiático.
Estacionalidade limita substituição total da soja americana
Especialistas, no entanto, alertam para os limites dessa substituição. A sazonalidade da produção de soja nos dois hemisférios influencia diretamente a disponibilidade do grão. Enquanto o Brasil colhe sua safra no primeiro semestre do ano, os Estados Unidos concentram sua produção e exportações no segundo semestre. Essa diferença natural restringe a capacidade brasileira de substituir integralmente os embarques norte-americanos para a China.
Além disso, o cenário de incertezas políticas, agravado pelas medidas unilaterais do governo norte-americano sobre tarifas de importação, adiciona mais volatilidade ao mercado. Isso faz com que projeções sobre o comportamento da demanda no segundo semestre ainda sejam prematuras, conforme avaliam analistas do setor.
Colheita brasileira avança em ritmo acelerado
Dados atualizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revelam que, até o dia 6 de abril, o Brasil já havia colhido 85% da safra de soja 2024/25. O estado do Mato Grosso, maior produtor nacional, praticamente finalizou suas operações, com 99,5% da área colhida. Já o Rio Grande do Sul ainda avança de forma mais lenta, com apenas 35% da produção processada até o momento.
A boa performance da colheita tem favorecido as negociações no mercado interno e internacional, impulsionadas também por fatores econômicos como a valorização do dólar frente ao real. Essa valorização torna a compra de soja brasileira mais atrativa para importadores estrangeiros.
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), o aumento da demanda internacional se refletiu diretamente no aquecimento das negociações do mercado spot brasileiro ao final de março. Com o câmbio favorável e a necessidade de liquidez dos produtores rurais — que precisam financiar os custos da próxima safra —, houve aceleração nas vendas da oleaginosa, sobretudo da safra atual.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), vinculada ao governo federal, apontam que o Brasil embarcou 10,25 milhões de toneladas de soja até 21 de março. Esse volume representa um crescimento de 59,5% em comparação ao mês anterior e um aumento de 25,2% na média diária de exportações em relação ao mesmo período do ano passado.
Cenário reforça posição estratégica do Brasil no agronegócio
O atual contexto geopolítico e econômico tem reforçado o papel estratégico do Brasil como fornecedor global de soja. A aceleração da compra de soja brasileira por parte da China é reflexo direto da instabilidade nas relações comerciais com os Estados Unidos. Essa mudança de comportamento comercial sinaliza não apenas uma adaptação momentânea do mercado, mas também a possibilidade de um redesenho mais profundo nas rotas de exportação nos próximos anos.
O avanço da colheita nacional e a competitividade dos preços no mercado internacional colocam o Brasil em posição vantajosa, o que pode impactar diretamente no consumo interno, elevando os preços do óleo de soja e seus derivados já nas próximas semanas. Embora os especialistas alertem que os desdobramentos futuros dependerão da evolução das tensões comerciais e da estabilidade nas políticas cambiais.