Uma investigação da Polícia Federal revelou um esquema bilionário envolvendo associações vinculadas ao INSS e empresas de consignado. O caso, deflagrado por meio da Operação Sem Desconto, levantou suspeitas sobre milhares de filiações forçadas de aposentados a clubes de benefícios, com descontos diretos na folha de pagamento e repasses milionários a operadoras de crédito.
Esquema bilionário de descontos indevidos atinge o INSS
No centro da operação está a suspeita de que associações civis descontavam mensalidades sem consentimento dos aposentados e repassavam os valores a empresas de consignado. A fraude, segundo a Polícia Federal, envolveu ao menos R$ 110 milhões transferidos de entidades associativas a companhias privadas que atuavam com empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS.
A investigação teve como consequência imediata a exoneração do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e a saída do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. Ambos deixaram os cargos após o escândalo ganhar repercussão nacional.
Uma das associações mais envolvidas no esquema é a Amar Brasil Clube de Benefícios, presidida por Américo Monte. Segundo apurado, desde 2022, a entidade movimentou aproximadamente R$ 325 milhões. Desse montante, R$ 25 milhões foram transferidos diretamente para uma empresa registrada em nome de Américo Monte Jr., filho do presidente da associação.
Além disso, outras empresas ligadas à família Monte receberam quase R$ 55 milhões em contratos similares. A Polícia Federal também destacou que Monte Jr. já foi alvo de outra investigação, sob a acusação de liderar um esquema de falsificação de assinaturas de aposentados. A denúncia incluía menção a um vídeo instrutivo envolvendo Micaela Magalhães, filha de Monte Jr. e neta de Américo Monte, que, segundo os investigadores, orientava a prática.
Outras entidades sob investigação
Além da Amar Brasil, também estão no radar das autoridades as entidades Ambec, Unabrasil (ou Unsbras) e Cebap. Juntas, essas associações foram responsáveis por mais de R$ 580 milhões em descontos aplicados diretamente nos contracheques de aposentados entre 2022 e 2024. Todas essas organizações são controladas por Maurício Camisotti, empresário com atuação nos setores de planos de saúde e seguros.
Os documentos coletados pela PF mostram que empresas associadas a Camisotti destinaram pelo menos R$ 15 milhões a firmas controladas por Hebert Menocchi, ex-gerente do banco BMG, sugerindo um amplo conluio para viabilizar os repasses financeiros.
Modelos de contrato com cláusulas suspeitas
Durante a análise dos contratos assinados entre as associações e as empresas de consignado, os investigadores identificaram cláusulas que garantiam repasses de 100% da primeira mensalidade descontada diretamente da folha dos aposentados, além de 21% dos pagamentos seguintes.
Esses valores eram destinados às operadoras de crédito consignado como forma de comissão pelas chamadas “filiações facilitadas”, prática considerada abusiva por especialistas em direito do consumidor.
Essa dinâmica levanta sérias preocupações quanto à legalidade das operações, especialmente diante do fato de que os aposentados não teriam autorizado tais vínculos.
TCU detecta crescimento anormal nos descontos
Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que os descontos em folha referentes a mensalidades associativas praticamente triplicaram em apenas um ano. O valor saltou de R$ 650 milhões em 2023 para mais de R$ 2 bilhões em 2024. Além disso, foi constatado que cerca de 480 mil filiações aconteceram na mesma data da contratação de empréstimos consignados, o que pode indicar uma possível venda casada — prática considerada ilegal pela legislação brasileira.
Apesar de o TCU destacar que a coincidência de datas não é suficiente para caracterizar irregularidade por si só, o volume e a repetição do padrão indicam a possibilidade de um esquema sistemático.
Medidas emergenciais e bloqueio de novos descontos
Com a repercussão do escândalo, o novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, anunciou medidas emergenciais para conter os danos aos segurados. Uma das principais ações foi o bloqueio imediato de novos descontos em folha relacionados a empresas de consignado, em linha com as recomendações do TCU.
Além disso, o INSS informou que irá iniciar a notificação de cerca de 9 milhões de aposentados que teriam sido afetados por cobranças indevidas. O objetivo é permitir que essas pessoas solicitem o ressarcimento dos valores descontados sem autorização prévia.