Uma lei sancionada em 2019 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para coibir fraudes em descontos de aposentados no INSS foi revogada em 2022 por uma manobra do Congresso, o que teria favorecido entidades sindicais agora investigadas pela Polícia Federal por envolvimento em um esquema bilionário de desvios. A Operação Sem Desconto revelou um prejuízo estimado em R$ 8 bilhões causado por descontos indevidos em folha entre 2016 e 2024.
Operação Sem Desconto expõe esquema de corrupção no INSS
Na última quarta-feira (23), a Polícia Federal deflagrou a Operação Sem Desconto com o objetivo de apurar um esquema de fraudes envolvendo descontos não autorizados em aposentadorias e pensões do INSS. Foram cumpridos 211 mandados de busca e apreensão, além de seis ordens de prisão temporária e sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão. A ação ocorreu em 14 unidades da federação, incluindo o Distrito Federal.
Segundo a investigação, os valores desviados por meio de descontos irregulares entre 2016 e 2024 chegam a quase R$ 8 bilhões. A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que quase 100% dessas cobranças foram feitas sem autorização dos beneficiários, violando normas legais vigentes.
A lei de 1990 e mudanças ao longo do tempo
Os descontos em folha do INSS destinados a entidades representativas de aposentados estão previstos desde a década de 1990. A legislação permite que tais descontos sejam feitos apenas por entidades legalmente reconhecidas, e somente com autorização dos filiados.
Diante de crescentes denúncias de prejuízos aos aposentados, o então presidente Jair Bolsonaro sancionou, em 2019, a Medida Provisória (MP) 871/2019. Essa lei sancionada estabelecia medidas rigorosas para combater fraudes no sistema previdenciário, entre elas a exigência de revalidação bienal das autorizações dos filiados para manter os descontos em folha. A regra passou a exigir que os sindicatos comprovassem periodicamente a autorização de seus associados.
Entidades sindicais e parlamentares, sobretudo ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), passaram a se mobilizar contra a medida. Alegando dificuldades operacionais para reunir provas de autorização de mais de 7 milhões de filiados, pressionaram pela revogação da exigência.
Essa pressão resultou na inclusão de um dispositivo revogando a regra da MP 871/2019 dentro do texto da MP 1.107, aprovada em 2022. Originalmente, essa medida tratava exclusivamente sobre a criação de microcrédito digital, sem qualquer relação com os descontos previdenciários. No entanto, a modificação passou despercebida por grande parte da opinião pública à época.
Com a revogação da lei sancionada contra fraudes, a obrigatoriedade de comprovação de autorização dos descontos foi eliminada, o que, segundo a PF, facilitou o retorno de práticas fraudulentas no sistema.
Maior parte dos desvios ocorreu nos dois primeiros anos do governo Lula
A investigação da Polícia Federal aponta que, entre 2019 e 2024, cerca de R$ 6,5 bilhões foram desviados em repasses do INSS para sindicatos. Deste total, R$ 4,1 bilhões — aproximadamente 64% — ocorreram apenas em 2023 e 2024, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Levantamento realizado pelo portal Poder360 revela que representantes das entidades sindicais investigadas estiveram em reuniões com o Ministério da Previdência Social e o INSS pelo menos 15 vezes desde o início de 2023. Foram contabilizados oito encontros em 2023, cinco em 2024 e dois em 2025.
A revogação da lei sancionada em 2019, criada para evitar fraudes no INSS, acabou criando espaço para que entidades sindicais realizassem descontos indevidos em benefícios de milhões de aposentados e pensionistas.
Com base nas investigações da Polícia Federal e da CGU, o esquema resultou em prejuízos bilionários e está sendo alvo de uma das maiores operações de combate à corrupção envolvendo recursos da Previdência Social. As apurações seguem em curso, com a expectativa de responsabilização dos envolvidos e eventual recuperação dos valores desviados.